sábado, 21 de junho de 2008

A Teia



Todos nós já dissemos, uma vez que fosse, “foda-se, este mundo é mesmo pequeno”. No que diz respeito ao “mundo gay”, a pequenez é ainda mais perturbadora e acaba por nos perseguir. É tipo o hi5 e é certo que em dois ou três passos, todos nos conhecemos uns aos outros. Às vezes dizemos esta expressão a sorrir e, de facto, é algo com piada. Contudo, noutras deixa-nos as entranhas às voltas. Ontem, foi uma dessas vezes.

Ultimamente, uma nova companhia juntou-se ao meu núcleo duro de amizades: um amigo de um dos meus melhores amigos. Já o conheço há coisa de mês e muito e até conversamos bastante, mas o tema raramente é o passado. Falamos de política, de valores pessoais, da forma como cada um encara a homossexualidade… conversas sérias, diga-se. E temos pontos de vista quase sempre opostos, com as discussões a serem uma constante. Ontem, antes da derrota de Portugal frente à Alemanha (sim, há gays que gostam de futebol e até combinam ver os jogos todos juntos), descobrimos um grande ponto em comum: um ex-namorado, que nos marcou mesmo muito – ainda que de formas muito diferentes. E pior, ele é o meu antecedente, o verdadeiro “ex do meu ex”. A linha cronológica perfeita. E, desta forma, encaixei muitas peças que teimavam não querer fazer parte do puzzle.

Depois do jogo, de um jantar tardio ao pé do mar e de umas cervejas pela baixa, ficámos no carro, à minha porta, até às 5h e muito da manhã a conversar. No meu caso, a relação não teve um fim, por isso sempre foi um pouco complicado aceitar as coisas. Por não as ter percebido e pela falta de um ponto final. Por temer não fazer ideia de quem era a outra pessoa no final da relação, por muitas dúvidas e perguntas por responder. Eu e ele não ficamos amigos, não conseguimos. O mesmo não se aplica ao outro rapaz. A amizade vinha de trás e a relação aconteceu apenas durante um período de afastamento do ex-namorado, para o qual voltou. Depois disso, as coisas mantiveram-se e eu apareci na vida do meu ex-namorado. Desta forma, ontem duas pessoas perceberam que já se conheciam há mais de dois anos e de recentes conhecidos, passamos a ter algo que nos une – e já ouvimos mesmo muito um do outro.

Não foi uma conversa emocionada, foi tão racional como longa. Perceber que há sempre uma causa para uma consequência, que as coisas não acontecem por acaso. Que os traumas não aparecem do nada e o conceito de “má pessoa” muitas vezes vem de uma ferida que teimamos esconder. Que o “putedo” muitas vezes aparece pela falta de auto-estima e inseguranças pessoais. Que a solidão nos vira do avesso e nos transforma nos nossos piores fantasmas. Que insistimos em nos auto-destruir por termos tanta pressa de viver e experimentar. Que ao magoarmos uma pessoa, isso muitas vezes vai fazer com que se vingue noutra. A clássica bola de neve imparável.

Depois de um longo banho, ontem deitei-me de luto. Parte de mim, finalmente, morreu de vez. As respostas às minhas perguntas, essas, apareceram da forma que menos esperava. Cada vez mais acredito que nada (mas mesmo nada) nos acontece por acaso. E que as pessoas que se vão atravessando no nosso caminho muitas vezes têm algo muito importante para nos dizer – basta usar a paciência e saber esperar que esse momento chegue, para perceber o quê. É estar atento…

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